Instituto que formou brasileiro 'Nobel' prepara novos gênios da matemática
Após a Medalha de Fields de Artur Ávila, Impa quer
ampliar estrutura.
'Segredo é a flexibilidade na gestão', diz Cesar Camacho, diretor do Impa.
Paulo GuilhermeDo G1, em São Paulo
O diretor do Instituto Nacional de Matemática Pura
e Aplicada (Impa), César Camacho, diz que procedimentos, estrutura e
flexibilidade na gestão, com avaliação periódica dos pesquisadores e
contratação de professores estrangeiros, explicam o sucesso da instituição de
pesquisa com sede no Rio de Janeiro que revelou ao mundo o pesquisador Artur
Ávila, laureado esta semana com a Medalha Fields,prêmio
considerado o ‘Nobel’ de matemática. "Na próxima edição do prêmio, daqui quatro anos, teremos novos
talentos", afirma Camacho.
A medalha confirma os investimentos em excelência
em pesquisa do instituto criado em 1952 para desenvolver a matemática no país.
Encravado no meio do Horto do Jardim Botânico, na Zona Sul do Rio de Janeiro, o
Impa é fomentado por um contrato com o governo federal, por meio do Ministério
de Ciências e Tecnologia (MCT), que garante ao instituto um orçamento anual de
R$ 30 milhões para as despesas com os pesquisadores e professores.
Em troca, o Impa precisa cumprir 18 metas de
produtividade, que vão desde a educação básica, com a promoção da Olimpíada
Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), até as pesquisas de
doutorado em nível internacional. "A missão do Impa é realizar pesquisas
em ciências matemáticas e afins, formar pesquisadores, disseminar o
conhecimento matemático em todos os seus níveis e integrá-lo a outras áreas da
ciência, cultura, educação e do setor produtivo", diz o site do MCT.
“O Impa coloca à disposição a possibilidade de se
aprender matemática sem limites e com isso atrai jovens com sede de aprender”,
explica Camacho. O instituto tem 152 alunos, sendo 43 no mestrado acadêmico, 12
no mestrado profissional, e 98 no doutorado.
Quase a metade dos estudantes são estrangeiros, a
maioria da América Latina. A maioria dos alunos já terminou a graduação, mas é
possível encontrar nas salas de aula e na biblioteca, adolescentes craques em
matemática que fazem as disciplinas do Impa ao mesmo tempo em que cursam o
ensino médio. O Impa tem ainda um corpo docente com 50 pesquisadores, entre
eles vários vindos de fora.
Em entrevista ao G1, Camacho diz que o país poderia ter outros centros de excelência, mas é
preciso investimento, gestão inteligente e pagar salários de nível
internacional para os pesquisadores e evitar a ‘fuga de cérebros’. Leia abaixo:
G1 – Como
a Medalha Fields conquistada por Artur Ávila pode ajudar o ensino de matemática
no Brasil?
Camacho – O prêmio é uma
conquista pessoal do Artur e um produto da existência de uma instituição que
ele soube aproveitar. O Impa é uma das joias da ciência brasileira e um exemplo
que pode ser replicado em outras áreas do conhecimento. Levamos em consideração
o método científico e a informalidade no trato com os nossos alunos. Temos
inclusive estudantes muito jovens que ainda não têm a graduação. Isso permite o
surgimento de fenômenos como o Artur Ávila.
E dá para
sonhar com novos prêmios?
Sem dúvida. Em quatro anos teremos novos talentos. Já existe a maturidade
matemática adequada para os critérios internacionais de seleção. Tivemos quatro
pesquisadores palestrantes no Congresso Internacional de Matemáticos (realizado
esta semana na Coreia do Sul). Um deles, o Fernando Codá Marques, fez uma
conferência plenária e ainda foi cogitado para receber a Medalha Fields. Como ele
tem 35 anos, pode ainda ganhar o prêmio na próxima edição, em 2018 (a medalha é
entregue a cada quatro anos para pesquisadores de até 40 anos de idade. Codá
ganhou notoriedade internacional por resolver um problema de geometria que
durante décadas ficou indecifrável, o da superficie de uma bola).
Como o
Impa se diferencia de outras instituições de ensino e pesquisa no Brasil?
O Impa tem um ‘plus’ que as universidades não têm. Temos uma estrutura mais
leve que permite uma maior agilidade e flexibilidade na gestão. Nossa
informalidade nos permite receber estudantes de qualquer idade. O aluno jovem,
por exemplo, pode entrar para fazer um dos nossos cursos livre e obter créditos
que serão validados quando no futuro ele entrar no mestrado ou doutorado. O
Impa coloca à disposição a possibilidade de aprender matemática sem limites.
Isso atrai estes jovens que têm sede de aprender.
Quais são
os suportes financeiros que o Impa recebe?
Temos um contrato com o governo de seis anos, renováveis. Nosso orçamento de R$
30 milhões por ano permite pagar os salários dos pesquisadores. Também
recebemos apoio privado em forma de cátedras e ajuda em eventos, mas um volume
muito inferior. É preciso fazer uma gestão inteligente destes recursos. O Impa
tem uma agilidade extraordinária na renovação do seu quadro científico. Todos
os nossos matemáticos têm doutorado e são contratados por quatro anos. Depois
disso eles são avaliados e podem continuar, ou não. Com um controle de
orçamento podemos programar as contratações.
Quais são
os critérios para contratar um pesquisador?
As contratações são de maneira aberta. Analisamos o conhecimento pela produção
e ainda recebemos cartas de avaliação vindas de fora. No último concurso, por
exemplo, tivemos mais de 100 candidatos, gente da Rússia, Alemanha, França e
Estados Unidos para duas vagas. No final contratamos um francês e um alemão.
Tem muita mão de obra qualificada sem emprego nos Estados Unidos e na Europa. O
Brasil poderia se beneficiar disso contratando estes pesquisadores. O Impa está
enriquecendo o seu corpo científico. Já as universidades públicas não estão
fazendo isso. Os concursos destas universidades são determinados pelo governo e
têm normas excludentes, como a qualificação para dar aulas em português. Isso
elimina os professores estrangeiros.
Quanto
ganha um pesquisador do instituto?
O salário inicial é de R$ 13,5 mil, e pode chegar a R$ 19 mil. Os salários são
melhores que o das outras universidades, mas ainda insuficientes para competir
em nível internacional. Se temos o prazer de ter um medalhista Fields, isso tem
um preço, e os salários têm que ser mais competitivos. Caso contrário, a gente
corre o risco de perder nossos melhores talentos (Artur Ávila divide seu tempo
entre o Impa e o Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), na
França). O Codá, por exemplo, tem proposta para trabalhar na Universidade
Princeton, nos Estados Unidos. Quanto custa perder um talento desses?
Como um
jovem estudante pode entrar no Impa?
O ideal é ele fazer um dos nossos cursos de verão ou um dos cursos livres. Faz
uma prova que avalia se ele terá capacidade de fazer ou não o curso. Aí pode
concorrer a uma vaga no mestrado. Os alunos recebem uma bolsa da Capes ou do
CNPq de cerca de R$ 1.500. É um valor insuficiente para o curso de vida do Rio.
Por isso vamos construir uma residência estudantil no terreno de 250 mil m² que
o Impa recebeu como doação e ampliar seu espaço físico.
G1
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