Ex-detento no AC faz faculdade com nota do Enem e ajuda jovens a saírem do crime: ‘mundo de ilusão’
Juliano Bittencourt Calixto cumpriu pena por latrocínio. Foi dentro da cadeia que ele teve acesso à educação e decidiu mudar de vida.
G1-Ac
“Pra quem quer, as portas se abrem.
Todos temos o direito de errar, permanecer no erro também é uma opção”. A
afirmativa retrata bem o processo de ressocialização vivido por Juliano
Bittencourt Calixto, de 37 anos, ex-presidiário, que agora, por meio da
educação, conseguiu refazer a vida.
Os erros do passado não podem ser
apagados, mas ele se dedicou para fazer com o que o seu futuro e de seus filhos
fossem diferentes da realidade que viveu ainda jovem.
Ele foi preso em 2005, em Porto Velho
(RO), condenado por latrocínio. Já em 2008, ele aproveitou que estava em regime
semiaberto e fugiu para o Acre, onde ficou foragido por 7 anos. Em 2015, ele
foi recapturado e cumpriu pena na unidade de Senador Guiomard, no interior do
estado.
Durante esta semana, ocorreu a
aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem) para Pessoas Privadas de Liberdade (PPL) no Acre. As
provas foram aplicadas na terça (10) e quarta-feira (11).
Foi com o Enem dentro do presídio que
Calixto sentiu a necessidade de mudar e se empenhou para que isso acontecesse.
“Em 2015, eu fiz a primeira vez, só
que como não tinha me preparado, não consegui o material e não me saí muito bem,
retornei a fazer em 2016 e consegui um bom tempo para estudar. No presídio do
Quinari [Senador Guiomard], eu trabalhava na escola e tinha acesso a bastante
livros na época, foi o que me ajudou”, conta.
'O crime é uma
ilusão'
Com a nota que alcançou, ele
conseguiu fazer educação física em uma universidade particular. “Hoje eu curso
o 4º período e também já sou formado em teologia”, diz.
Atualmente, ele trabalha como
barbeiro e também ajuda outros jovens a saírem do mundo do crime. Ele disse que
o apoio da família e a imersão na igreja foram cruciais para a reintegração
dele.
"O
crime é uma ilusão muito grande que a gente cria através de filmes e das
amizades. É um caminho, muitas vezes, sem volta, com carreira curta. Da minha
época, de 20 amigos, se cinco estiverem vivos é muito”.
Calixto hoje usa o espaço que tem dentro da igreja para orientar
outros jovens por meio de ações sociais e palestras. Além disso, ele é pai de
duas crianças, um menino de 11 e uma menina de 9 anos. Ele disse que tenta
fazer com o que os filhos não passem pelo que ele passou.
Hoje ele está no regime aberto, sendo que
precisa cumprir algumas determinações judiciais. Algumas delas são: estudar,
comprovar emprego fixo e comparecer ao fórum mensalmente.
“Meus filhos chegaram a me visitar na
cadeia e sempre tento passar para eles que o crime é uma ilusão. Na igreja onde
congrego ajudo nas ações sociais”, diz.
‘Ferramenta
poderosa’
Há quase 12 anos gerenciando o ensino
dentro dos presídios do estado, Margarete Santos diz que a educação transforma
e consegue, sim, recuperar muitos criminosos.
Segundo ela, mesmo com as
dificuldades e restrições dentro do sistema, inclusive, após o boom da guerra
entre facções, é possível encontrar presos que se agarram ao ensino como uma
forma de mudar de vida.
Desde 2016, quando houve uma
rebelião com mortes dentro do complexo penitenciário em Rio
Branco, as aulas na capital foram suspensas. Somente três anos depois o ensino
foi retomado de forma gradativa. Primeiro na unidade feminina e depois em
algumas unidades do complexo.
Este ano, mais de 320 presos se
inscreveram para fazer o Enem no estado. Destes, 47 não
compareceram.
“O conhecimento é uma ferramenta
poderosa. A gente tem casos bastante emblemáticos de ressocialização dentro do
sistema. O papel do professor no sistema prisional vai além do que na escola
tradicional, porque ele tem a missão de despertar o interesse de uma pessoa que
em determinado momento da vida desistiu de estudar”, explica a coordenadora de
Educação do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen).
No primeiro momento, Margarete diz
que o interesse do preso é reduzir a pena com as atividades de educação, porém,
durante esse processo, alguns acabam realmente se envolvendo.
“A gente leva uns três meses para, de
fato, saber quem se apegou, quem passou a valorizar e assim conseguir saber a
importância daquilo para a vida dele. Dentro do sistema, o processo formativo é
mais lento do que fora”, pontua.
Remição pela
leitura
A remição por meio de leitura é
fruto da Recomendação nº 44 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de
26/11/2013, e tem participação voluntária dos presos que se interessam pelo
projeto.
Pela regra principal da proposta, o
preso que ler, no prazo de 30 dias uma obra literária, clássica, científica ou
filosófica, apresentando ao final do período uma resenha elaborada por ele a
respeito do assunto, terá remido quatro dias de sua pena. Até o final de 12
obras, efetivamente lidas e avaliadas, ele poderá remir 48 dias de pena, no
prazo de 12 meses.
Para que o projeto seja desenvolvido, o Iapen conta com o apoio
da Secretaria de Educação (SEE). Dentro do sistema prisional, são priorizados
os ensinos de alfabetização até o ensino fundamental, suprida essa necessidade,
inclui-se o ensino médio.
Mas, não há uma preparação específica
para o Enem. Projetos como este da leitura é que acabam preparando o preso para
a avaliação.
“O que tem ajudado é o projeto de
remissão da leitura, porque eles têm que ler e narrar e isso desenvolve a
habilidade de escrita, redação e língua portuguesa. A professora encontra com
eles uma vez ao mês, aponta os erros e o avanço das habilidades, após um
processo de feedback, eles fazem uma nova produção e são avaliados e cria-se um
ciclo”, finaliza.