Depressão pós-parto: a realidade cruel que atinge uma em cada quatro mães brasileiras
A depressão pós-parto é uma doença como outra qualquer, que exige tratamento, que podem incluir remédios e terapia
O nascimento de um filho é um momento marcante para uma família, representa mudança na vida, no futuro e na rotina, principalmente da mãe, que além de tudo isso enfrenta a mudança no corpo e a oscilação dos hormônios ao longo de meses. É preciso desmitificar a ‘romantização’ da maternidade.
Mesmo para quem sonha em ter um filho, o momento do nascimento pode ser um pouco diferente do sonhado, existe o ‘lado B’ que pouca gente fala, mas que muitas mães passam por ele e algumas, sem perceber a gravidade da situação, acabam por se culpar. Estamos falando da depressão pós parto, que é mais comum do que se imagina.
De acordo com uma pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que entrevistou 23.896 mulheres entre 6 e 18 meses após o parto, mais de uma em cada quatro brasileiras apresenta sintomas de depressão pós-parto. É um número muito alto, mas por que quase não se fala nisso?
A culpa é o principal fator do silenciamento dessa condição que atinge tantas mães. A psicóloga e doula Roniara Nunes explica que nem sempre a tristeza inicial sentida pela mãe é diagnosticada como depressão, pode ser o “Baby Blues”, nome dado em inglês para a melancolia mais frequente sentida pelas mães nos primeiros dias do pós-parto:
“Temos que levar em consideração o Baby Blues, que é uma fase de no máximo 10 dias na qual a puérpera tem sentimentos semelhantes aos que experimentam na depressão, mas em menor intensidade e menos tempo. No Baby Blues os sentimentos de tristeza, irritabilidade, choro fácil, dificuldade de conviver socialmente não são tão duradouros e severos, nem evoluem. Ao contrário da depressão pós-parto, quando esses sentimentos podem durar por tempo indeterminado e interferir diretamente no cotidiano da mulher e até da família”, destacou a psicóloga.
Acreanas relatam a experiência
A nova mãe e as pessoas ao seu redor, costumam ser pegas de surpresa por essa tristeza, já que é um momento em que se imagina que ela estaria nas nuvens de tanta felicidade com a chegada do bebê, a depressão em alguns casos chega antes mesmo do parto, como no caso da jornalista Rayssa Natani, mãe do Otto de 8 meses. Natani conta que ainda na gravidez começou a sentir os primeiros sintomas:
“Iniciou durante a gestação, quando não tinha ânimo para realizar as tarefas habituais, nem para socializar. Cheguei a ficar dois ou mais dias seguidos sem sair de casa, sem me alimentar direito, chorando o tempo inteiro. Cheguei a pensar no pior, tive pensamentos suicidas por várias vezes e foi quando uma amiga me indicou uma psicóloga”, relatou Rayssa.
A jornalista contou outros detalhes sobre a situação que passou: “Eu chorei todos os dias durante 4 meses. Sempre digo que a maternidade nos traz sentimentos muito dúbios. Eu sentia um amor imenso pelo meu filho, mas ao mesmo tempo me sentia culpada por enxergá-lo como um erro naquele momento da minha vida. Eu sentia uma solidão fora do comum, mesmo acompanhada dele o tempo inteiro. Me sentia só, com toda aquela responsabilidade, mesmo tendo ajuda de alguns anjos que estavam ao meu lado. Infelizmente, a maternidade é tão romantizada, que quando falamos abertamente sobre esses sentimentos ruins que ela traz, somos crucificadas”.
Os sintomas incluem ansiedade, falta de energia e mudanças no padrão de sono e de alimentação. Contudo, em algumas situações, como a que aconteceu com a psicóloga Bárbara Oliveira, o quadro demora a ser percebido: “Só me dei conta da depressão de fato quando meu filho já estava perto de completar um ano, mas não tive ajuda especializada na época”.
É importante lembrar que a depressão pós-parto é uma doença como outra qualquer, que exige tratamento, que podem incluir remédios e terapia. De acordo com Rayssa, os julgamentos podem ser severos diante desta situação: “Sei que serei julgada pelo que vou dizer, mas a palavra que eu consigo dar ao que eu sentia é claustrofobia. Me sentia presa, literalmente, sufocada num espaço pequeno, sem ter o direito e a liberdade de executar tarefas simples e essenciais para vida de um ser humano, como me alimentar, dormir, ir ao banheiro ou tomar um banho. Presa a algo que eu era obrigada a amar em todos aspectos, mesmo os mais difíceis”.
Ajuda para superar o quadro
Para a doula e psicóloga Roniara Nunes, o apoio à recém-mãe é fundamental para ajudá-la a sair da depressão: “Buscar uma rede de apoio na qual possa conversar, ter momentos tranquilos e de prazer, que oportunizem a mulher a se conhecer nesse novo papel que ela está desempenhando. Buscar locais de convívio onde ela se sinta acolhida e segura para desempenhar esse novo papel. É importante que ela tenha algum tempo, mesmo que seja pouco, para realizar alguma atividade que ela possa escolher algo que lhe de prazer”.
A mãe Bárbara Oliveira concorda: “Contei muito com a ajuda da minha mãe e do pai do meu filho durante esse processo. Só me dei conta da depressão de fato quando ele tava perto de um ano, mas não tive ajuda especializada na época. Outra coisa que me ajudou muito foi aos poucos voltar a ter identidade, sabe? Procurar alguma atividade que pudesse fazer sem ele e reduzir a ansiedade que provém dessa ausência. Foi quando voltei pra faculdade e terminei Psicologia, por causa de tudo que passei com e por ele, aconselho as mães a procurar ajuda, verbalizar. Ter em mente que ninguém nasce sabendo ser mãe, apesar do que pregam a nós mulheres”.
“Não adianta dizer “pode contar comigo”. No meio do perrengue, a mãe vai sentir dificuldade e até receio de gritar por socorro. É preciso se fazer presente no dia a dia, ajudar a cuidar do bebê, a resolver questões burocráticas, dar um tempo para a mãe descansar, alimentar-se, ouvi-la reclamar sem julgamentos, evitar palpites que soam como críticas, são pequenas atitudes que são muito mais efetivas para quem quer ajudar uma mãe nessa situação. Não adianta apenas dizer que a mãe precisa de um psicólogo, é preciso dar todas as condições para que ela vá e receba o tratamento adequado”, ressaltou Natani.
Tratamento
É importante que a mãe que enfrenta o problema saiba que é possível se sentir melhor, pois ter depressão pós-parto não significa que não ela não seja uma boa mãe: “A depressão pós-parto necessita de acompanhamento psiquiátrico e psicológico. Em casos mais graves é necessária a utilização de medicamentos”, explica Roniara.
Nesse sentido, este foi o caminho que Bárbara trilhou para se curar: “Hoje em dia eu faço terapia e uso um medicamento para diminuir o estresse e a ansiedade. Isso tem refletido não só em mim, mas na minha maternagem também”, explica a psicóloga.
Prevenção
Para as futuras mamães, é importante saber que é possível prevenir a depressão pós parto: “A melhor forma de prevenir a depressão pós parto é assegurando que a mulher terá uma rede de apoio na qual ela possa ter tranquilidade e tempo para assimilar essa nova fase da vida com segurança. Porém isso não descarta completamente a possibilidade do aparecimento da doença. Mulheres com ocorrências anteriores devem ser observadas atentamente, pois a incidência é bem maior, podendo assim atuar clinicamente antes que a situação se agrave”, concluiu a doula Roniara Nunes.