Mães relatam violência obstétrica física e psicológica durante trabalho de parto no Acre: ‘não tive mais filhos’
Xingamentos, piadas, pedidos negados de remédios. Estes são alguns dos relatos sofridos por mães durante o parto. MP-AC vai fazer audiência pública para debater o tema com profissionais da saúde.
Por Quésia Melo, G1 AC, Rio Branco
Piadas, violência física e negligência médica são alguns dos
relatos de mães que sofreram com a violência obstétrica durante o parto em Rio
Branco. A jovem Alline Lázari, de 27 anos, diz que não teve mais filhos após o
sofrimento do parto do primeiro, que nasceu prematuro e morreu um mês depois.
A violência
obstétrica é o tema de uma audiência pública feita pelo Ministério Público do
Acre (MP-AC) na terça-feira (18), no auditório do órgão no Centro de Rio
Branco. O objetivo é dar visibilidade e expor ações, estudos e discussões sobre
aa violência obstétrica, enquanto violência de gênero e discriminação contra a
mulher.
Alline conta que
ouviu de enfermeiras comentários como: “ esse menino vai nascer morto” e que
teve até o pedido de medicamentos negado. A jovem começou a ter problemas com
25 semanas de gravidez e quando completou 27 semanas o menino nasceu.
A mãe conta que nem
sequer teve o primeiro contato com o bebê após o nascimento. “Uma enfermeira
falou comigo e perguntou da idade gestacional. Eu falei e ela respondeu: 'tu
sabe que esse menino vai nascer morto, né?'. Aí minha irmã olhou para ela e
perguntou se ela estava ficando doida. Ela falou que doidas éramos nós por
acreditar que o bebê vinha vivo, pois ele era muito novinho e a infecção era
alta e que era para eu me preparar. Aquilo acabou comigo”, relata.
‘Que fedor’, xingou enfermeira
Depois
de pedir medicamentos para ter logo o filho, com medo de que ele morresse ainda
na barriga, Alline afirma que teve o pedido negado e que ao ir ao banheiro
sentiu a cabeça do bebê saindo.
“Eu não conseguia
levantar do vaso, ele [marido] correu. A enfermeira veio e falou: “nossa que
fedor”, pois como meu líquido estava muito inflamado o quarto fedia muito
mesmo. Ela falou: “sai daí, você vai cagar seu filho” e saiu. Mandou eu ir para
cama, meu marido me levou para a cama e quando olhei ela tinha ido embora”,
lembra.
Depois de tudo isso, a sogra de uma amiga de Alline que
trabalhava na maternidade é quem a ajudou e fez o parto dela. A jovem desmaiou
e depois foi levada para o banho pelo marido e sogra da amiga, no caminho
novamente quase teve o bebê.
“Ela, sogra da minha amiga, me virou de
lado e me ensinou a fazer força para ter o bebê, ela fez o meu parto e não uma
enfermeira obstétrica da maternidade nem médica. Ela, sogra da amiga, começou a
gritar que o bebê tinha coroado no número do meu quarto. Meu bebê nasceu
chorando, eles não colocaram ele em mim, eles correram com ele para UTI. A
violência psicológica que eu sofri foi muito grande”, lamenta.
Alline não quis mais filhos até o mês
passado, quando decidiu suspender o anticoncepcional. Ela e o marido fazem
planejamento familiar e tentaram superar o luto.
“Não tive mais filhos, há apenas um mês
tive coragem de suspender o anticoncepcional. Foi muito difícil passar pelo
luto, o bebê morreu um mês depois. Foi difícil se despedir e é difícil lembrar.
Como a gente já passou por isso, aprendemos muita coisa e a exigir nossos
direitos. A gente criou coragem para tentar ter outro filho, mas não estou 100%
livre do trauma”, afirma.
‘Fizeram um corte e o sangue
jorrou’, diz mãe
Uma outra mãe, que
não quis ser identificada, relatou que sofreu violência psicológica e física
quando fizeram um corte na vagina dela para tentar fazer o bebê, que era grande
demais e estava enrolado no cordão umbilical, sair pela vagina dela.
“Me forçaram de todas as formas a ter
normal. Eu tive hemorragia, meu filho ia morrendo, nasceu roxo sem respirar,
pois faltou oxigênio e dentro da sala todos na maior ignorância como se
fizessem um favor pra mim. Minha mãe bateu boca com a enfermeira, me fizeram um
corte de quase um dedo que jorrou sangue para todo canto”, lembra.
Quase desmaiada na maca, a mulher
lembra que as enfermeiras entraram em desespero, pois não havia mais tempo para
cesárea e o bebê estava preso sem respirar com metade da cabeça dentro do canal
vaginal e a outra metade do lado de fora.
“Tenho sequelas psicológicas, não tem
como esquecer. Meu filho tem 7 anos anos e nunca esqueci, lembro o rosto de
todas as enfermeiras que continuam trabalhando no hospital. Enquanto nada for
feito a situação não vai mudar, ninguém foi demitido, só eu sei o que passei e
fica apenas a revolta”, destaca.
Audiência pública
O promotor de Saúde Gláucio Oshiro
destaca que a a violência obstétrica pode se manifestar pelos mais diversos
comportamentos, tanto pela estrutura de uma maternidade, quanto por parte de
seus próprios profissionais.
“A violência vai desde a conduta mais
velada como humilhações profundas, agressões verbais ocorridas no atendimento,
quanto no comportamento de violação da integridade física tanto da mulher como
da criança, por exemplo, um parto cesáreo sem indicação clínica. Ou um
induzimento com medicações sem indicações, a episiotomia que é o corte no
períneo sem necessidade médica”, destaca.
A audiência, segundo ele, quer
esclarecer e dialogar para identificar esses casos de violência que são
chamados de demandas invisíveis, pois muitas vezes não chegam até as
autoridades. Segundo ele, muitas vezes as pacientes e acompanhantes sequer
sabem que estão sendo objetos das violações.
“Convidamos os profissionais e
gestores da Saúde para também contribuírem e exporem suas dificuldades no
momento do acolhimento e atendimento para que a gente possa, nesse amplo
diálogo, somar esforços, construir um agenda positiva e definir estratégias”,
finaliza.