Site Cultural de Feijó

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Morte de Wildy Viana encerra quase um século de história e de amor ao Acre

Wldy Viana e dona Silva (ao centro) criaram uma das famílias mais importantes da história do Acre – com filhos, netos e bisnetos – e amor e dedicação ao povo acreano – Fotos: Cedidas

Pai de Jorge e Tião Viana morre, prestes a completar 88 anos, e deixa um legado de honradez e de que é possível fazer da política uma atividade decente

Passavam pouco minutos das 14 horas desse 13 de março de 2017, uma segunda-feira chuvosa e triste, quando o ciclo da vida pôs fim a quase cem anos de história política e de autêntico acreanismo. Morria, num dos leitos do Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (Huerb), vítima de várias complicações, entre elas a respiratória, o ex-deputado federal Wildy Viana das Neves, prestes a completar 88 anos de idade (seu aniversário seria no próximo mês de abril). O governador do Estado, Tião Viana, filho mais novo do falecido, decretou luto oficial por três dias, e os presidentes dos demais poderes e lideranças políticas também emitiram notas e declarações de pesar.
Nascido em 1929, num seringal às margens do rio Acre, conhecido como Paraguaçu (onde hoje se localiza o território do município de Assis Brasil), Wildy Viana, batizado no local como “Dico”, era filho do pequeno comerciante e funcionário público Virgílio Viana das Neves e da dona de casa Sebastiana Lopes Viana. Ficou órfão ainda cedo, ao lado de cinco irmãos. Contava que o fato de ter nascido numa região tão inóspita na época, assim como alguns de seus irmãos, deu-se porque seu pai, que vivia se insubordinando contra os poderosos de então, vivia sendo transferido para tais locais, como punição.
Desde início dos anos 90, o cidadão Dico ou Wldy Viana deixou de ser conhecido por sua intensa atividade política nos debates e ações que trouxeram o Acre aos dias atuais. Em 1991, o engenheiro florestal Jorge Ney Viana das Neves, que jamais pleiteara cargos políticos e jamais atuara na política partidária, quase se elege governador do Estado. Numa disputa com quatro candidatos, ficou em segundo lugar, indo ao segundo turno eleitoral, com Edmundo Pinto, que se elegeria governador pelo PDS, mas seria assassinado no exercício do mandato, em 1992, em São Paulo, numa disputa com diferença mínima de 14 mil votos. Em 1992, Jorge Viana se elege prefeito de Rio Branco com a maioria absoluta de votos, e Dico Viana, agora singelamente chamado de seu Wildy, percebia que estava ainda mais perto da aposentadoria política absoluta porque, dali em diante, seu filho mais moço, o médico Tião Viana, também começaria a se movimentar politicamente e, em 1994, na disputa pelo governo do Estado entre caciques da política local, Orleir Cameli e Flaviano Melo, ele chegaria em terceiro lugar. Estava pronto para novos embates no futuro.

ORGULHO DE FEITO INÉDITO DOS FILHOS NA POLÍTICA BRASILEIRA

Também estava escrito nas estrelas que os irmãos Viana iriam brilhar na política local e que teriam também forte inserção na política nacional, chegando inclusive a ocupar cargos estratégicos, como a presidência do Senado da República. Em 1998, após ficar pelo menos dois anos sem mandato depois de ter deixado o cargo de prefeito da Capital, Jorge Viana se elege governador do Estado, já no primeiro turno, e seu irmão Tião vence com facilidade a eleição para o Senado. Já aposentado, Wildy Viana agora passaria a ser conhecido como o pai do ex-prefeito, depois governador do Estado por duas vezes e agora senador Jorge Viana e também do ex-senador e agora governador, também por duas vezes, Tião Viana – um feito único na história política do país. É claro que a condição inédita de ter dois filhos governadores e senadores da República o orgulhavam muito e ele não escondia isso de ninguém.
Mas o que pouca gente sabe – principalmente, os mais novos – é que seu Wildy Viana tinha também um passado e tanto na história e na política do Estado, o que ele também não escondia de ninguém. Afinal, não seria motivo de orgulho para um rapaz interiorano do Alto Acre ter inscrito seu nome na história política local como um dos autonomistas que ajudaram elevar o Acre da condição de território a Estado? O feito da elevação do Acre a Estado é politicamente gigantesco se analisado à luz das condições da época, 1962, e algo que só foi conseguido graças à teimosia do mineiro de Perdigão José Guiomard dos Santos, de quem Wildy Viana fora aliado desde que o velho general chegou ao Acre para governá-lo ainda na condição de território, por volta do ano de 1945. Foi um projeto de autoria do já deputado federal Guiomard Santos, apresentado em 1955, que elevou o Acre à condição de Estado, sete anos depois, mesmo com a oposição dos velhos caciques do PTB, herdeiros de Getúlio Vargas e que estavam no poder através do presidente João Goulart. O decreto dando autonomia ao Estado do Acre foi assinado a 15 de julho de 1962, por Goulart e o então primeiro-ministro Tancredo Neves, no curto período em que o Brasil viveu a experiência da divisão entre a República e o parlamentarismo.
Tião e Jorge Viana, ao lado do pai, aprenderam o que sabem de cidadania e política com as lições do mestre “Dico Viana”
O inquieto Wildy Viana, já morando em Rio Branco com a família (dona Sílvia e os filhos Wildinho, Jorge, Sílvia e Tião), também se movimentava em relação ao futuro. Radiotelegrafista de profissão, o que aprendera em Brasiléia, ele também consertava os raros aparelhos a eletrônicos ou rádios de pilha que careciam de assistência técnica. Quando não estava na oficina, nas imediações do Colégio Acreano, era visto, principalmente de madrugada, com um pequeno tabuleiro pendurado ao pescoço, vendendo cigarros a retalho e café, em pequenas doses. Os clientes eram feirantes, estivadores e outros trabalhadores que tinham como referência o mercado municipal. Eram também potenciais eleitores, ele já sabia disso. Na campanha, sem o que hoje se conhece por marketing ou estrutura, lá estava o candidato “Dico” divulgando seu nome e suas propostas a plenos pulmões num megafone à pilha.
Popular, afável e brincalhão – embora sério na hora em que era necessária alguma sisudez sob um vasto bigode preto, Wildy ou simplesmente o “Dico”, está para a política como o peixe está para o mar. Naquele ambiente em que agia – ou nadava – com tranquilidade, logo encontra espaço para voos – ou nados – mais longos. Vislumbra sua eleição além de vereador. É eleito em 1963, na primeira eleição direta vivenciada na Capital, mas quer ir mais longe. O prefeito eleito é Aníbal Miranda, do PTB. Wildy Viana se prepara para ser eleito à presidência da Câmara Municipal de Rio Branco, mas, em 1964, vai ser pego de surpresa, como de resto todo o brasileiro, pela ditadura militar. Pelo chamado Ato Institucional Número 2, os militares levam o país ao bipartidarismo. Isso significa que a UDN de Dico Viana, o PSD de Guiomard e o PTB dos oposicionistas recém-varridos da política com a derrubada do presidente João Goulart, teriam que escolher entre dois partidos apenas, a Arena (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Dico Viana opta pela Arena e se elege presidente da Câmara Municipal. Corria o ano de 1965.

FRANZINO, BAIXINHO… MAS DESASSOMBRADO

Em janeiro de 1966, já eleito presidente da Câmara, é compelido a assumir a prefeitura de Rio de Branco face à cassação de Aníbal Miranda, que, como todos sabem, era PTB e como tal caíra em desgraça junto ao governo dos militares. O brasileiense Wildy Viana vai ser prefeito de Rio Branco até julho de 1966, quando se licencia do cargo para ser candidato – e eleito – à Assembleia Legislativa. Se reelege em 1970 e 1974, período em que também foi presidente da Assembleia Legislativa. Em 1974, resolve alçar outros vôos – ou nados – e disputa a Câmara Federal, sendo um dos oito deputados do Acre no Congresso Nacional. Em setembro de 1978, o então presidente Ernesto Geisel o comunica, por telegrama, que está nomeando seu cunhado, Joaquim Falcão Macedo (irmão de dona Silvia) para o governo do Estado, até 1982. Neste ano, o agora cunhado do governador vai de novo às urnas e conquista mais um mandato de deputado federal, agora pelo PDS, partido que substituiria a Arena.
Em 1984, em meio ao movimento pelas eleições diretas para a presidência da República, já recebendo influência dos filhos, envolvidos com movimento estudantil tanto em Brasília, onde estudava Jorge Viana, e em Belém, onde estudava Tião, Wildy Viana se insubordina com o partido dos generais e vota a favor da emenda do deputado federal do PMDB do Mato Grosso do Sul, Dante de Olveira. Derrotada a emenda do jovem deputado que queria eleições diretas para presidente, no ano seguinte, Wildy Viana, por imposição do Partido, que havia fechado questão sobre o tema, acaba votando em Paulo Maluf no Colégio Eleitoral que elegeria Tancredo Neves e José Sarney, mas sua relação jamais seria a mesma com o partido dos generais e ele encerra sua carreira política filiado ao PMDB, depois de ter trabalhado, como secretário de Agricultura do Governo Flaviano Melo, quando iniciou um forte trabalho na área da piscicultura.
Wildy Viana, que entre outros cargos que ocupou no Acre, foi secretário de Agricultura e sempre sonhou com o desenvolvimento da piscicultura no Estado – Foto: Acervo pessoal
Franzino, baixinho, seu Wildy parecia crescer quando defendia suas convicções. Foi assim, em maio de 1964, quando da cassação do então governador constitucional do Acre, José Augusto de Araújo, seu amigo – apesar de adversário no PTB. Enquanto deputados aliados do governador cassado e amigos fugiam por qualquer fresta possível para escapar dos soldados comandados pelo coronel Edgar Pedreira de Cerqueira, que iria tomar o lugar do governador constitucional, um desassombrado Wildy Viana sobe as escadas do Palácio Rio Branco para ficar ao lado do amigo e se solidarizar contra aquela arbitrariedade, reconheceria, anos depois, a viúva de José Augusto, a ex-deputada Maria Lúcia de Araújo.
Recolhido a sua casa modesta no bairro da Habitasa, Wildy Viana se esquivava de contar essas história e dizia, sempre rindo, que coisas da política, agora, não era mais com ele. Se dizia satisfeito com o sucesso dos filhos na política e se resumia à condição de conselheiro, segundo revelou ontem o senador Jorge Viana. “Nós ensinou tudo o que sabemos de honradez, respeito às pessoas e à história do Acre”, disse o senador, em nome de sua família.
Tião Maia – Jornalista

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