Sem emprego, mulher aprende a roçar quintais sozinha no Acre e se apaixona pela profissão: 'aprendi por necessidade'
Keila Cristina, de 36 anos, trabalha como roçadeira há 5 anos e cobra até R$ 60 por serviço. 'Quando o serviço fica pronto, dão parabéns e me indicam', diz.
Por Quésia Melo, G1 AC, Rio Branco
Quando se viu sem emprego Keila Cristina, de 36 anos,
decidiu erguer a cabeça e procurar uma nova profissão. A mulher pegou uma
roçadeira emprestada de um amigo e começou a fazer limpeza de quintais. Aos
poucos, ela se apaixonou pela profissão e juntou dinheiro até comprar a própria
roçadeira.
Antes de roçar quintais, Cristina
trabalhava na cidade de São Domingos, no interior de Rondônia, dirigindo
caminhões de tora e tratores, mas sem contrato formal com nenhuma empresa.
“Aprendi o serviço por necessidade e
sozinha. Eu via as pessoas roçando e achava legal. Em toda a minha vida gostei
de trabalhar com máquinas, caminhão e trator, sempre gostei desse serviço.
Quando peguei a roçadeira, não tive dificuldades. Todas nós mulheres somos
capazes”, incentiva.
Os preços da roçagem variam de R$ 15
a R$ 60 dependendo do tamanho do terreno, altura do capim e quantidade de
entulhos no local. Keila conta que trabalha com a roçagem há cinco anos e
afirma que em várias situações esse foi o único sustento da família. A mulher,
que é casada e tem três filhos, complementa a renda com a venda de brinquedos e
enchimento de balões.
“Esse trabalho de roçagem é muito
bom, a pessoa consegue ganhar dinheiro sim e já me sustentou muitas vezes que
precisei. Foi a roçagem que me ajudou em momentos de necessidade”, relata.
Trabalhando em
uma área que geralmente é ocupada por homens, ela afirma que se sente
confiante. Em cinco anos, Keila diz não lembrar de nenhum episódio em que
alguém tenha recusado o serviço pelo fato de ela ser mulher. Porém, conta que
as pessoas costumam olhar com curiosidade enquanto ela trabalha.
“Por enquanto
nunca tive problemas com pessoas que se recusaram a deixar eu fazer o serviço
por ser mulher. Graças a Deus nunca achei pessoas que diminuíssem o meu serviço
por eu ser mulher. As pessoas do Acre são humildes e até hoje nunca achei
pessoas que me discriminassem dessa maneira e dissessem que eu era incapaz de
fazer esse trabalho”, destaca.
A procura de
clientes pelo trabalho de roçagem de Keila surgiu aos poucos. Para ela, o
diferencial da mulher é a finalização do serviço que é feito de forma caprichada,
tudo com muito cuidado e atenção.
“Há pessoas que
têm aquele receio, aquela preocupação, acham que por ser mulher não vou dar
conta do recado, mas quando o serviço fica pronto gostam bastante, dão parabéns
e me indicam para outras pessoas. Não me sinto vítima de preconceito, acho que
não podemos fugir dos nossos problemas, temos que enfrentar, agarrar e ir para
frente, erguer a cabeça”, enfatiza.
Serviço
perigoso
Keila diz que
nunca viu outra mulher trabalhando nessa área e apesar de amar a profissão diz
que o serviço é perigoso e até violento por causa das pedras e entulhos que
podem ser atirados contra o roçador. Por isso, afirma que é preciso ter muito
cuidado e começar aprendendo coisas básicas como trocar a lâmina e trabalhar
usando fio.
“Eu nunca
tentei ensinar outras pessoas a fazerem isso. Esse serviço de roçagem a pessoa
tem que pegar e não tem muito o que aprender. É um serviço perigoso e expira
muitos cuidados, nunca achei uma mulher que quisesse aprender. Já eu gosto
mesmo e não ligo de me machucar, sempre trabalho com cuidado e mesmo assim já
me machuquei várias vezes. Mas, a gente vai trabalhando com cuidado e
aprendendo”, diz.
Para as
mulheres que temem se aventurar em uma outra área de trabalho, Keila afirma que
não é preciso ter medo e nem se preocupar com o preconceito e sim estar feliz
com o que faz.
“Somos capazes
de trabalhar em qualquer área e não devemos ter medo. Há várias mulheres
guerreiras que dirigem trator, caminhão, são pedreiras e trabalham com máquina
de soda que também é perigoso. Somos capazes de tudo que quisermos fazer. Tem
mulher que tem um pouco de preconceito, acha que não vai dar conta, mas dá
sim”, finaliza.