Borracha amazônica colorida vira peças de joias orgânicas vendidas internacionalmente
Matéria-prima usada por designer sai do Acre e Pará. Flavia trabalha também capacitando as comunidades que trabalham com a extração do látex.
“Você
levar a borracha até as pessoas, é levar um pedacinho da Amazônia viva. É uma
forma de contar a história, das pessoas saberem que tem gente que mora na
floresta e protege ela”. Assim a designer brasiliense Flavia Amadeu define seu
trabalho com a borracha amazônica.
Conhecida internacionalmente pelo seu
trabalho com novas tecnologias em borrachas amazônicas há 15 anos, ela é PhD em
design e sustentabilidade pelo London College of Fashion, mestre em artes
visuais e bacharel em desenho industrial.
E é do Acre que sai parte da
matéria-prima das peças da linha de joias orgânicas que ela faz. Em parceria
com o Laboratório de Tecnologia Química da Universidade de Brasília (UNB), ela
desenvolveu técnicas que transformam o látex em peças vendidas em diversos
países.
Além de comprar o material, é a própria
Flavia que percorre as comunidades capacitando os produtores para trabalharem
com essa nova tecnologia. É um material que foi aperfeiçoado ao longo dos anos
e está em constante aprimoramento.
Flavia explica que o trabalho, além de
comercial, defende a bandeira da sustentabilidade e conservação dos
conhecimentos tradicionais das comunidades que protegem e vivem da renda gerada
pela Amazônia.
“Um dos diferenciais dessas novas tecnologias de borracha da Amazônia é justamente não precisar da indústria de processamento, então essa borracha colorida já sai da comunidade pronta pro mercado, dou treinamento para ela estar do jeito que preciso. Eu trabalho várias coisas, volto nas mesmas comunidades para fazer melhorias, as cores também são desenvolvidas por mim. É um trabalho de construção mesmo com eles [produtores], é bem legal que dá para ver as famílias se desenvolvendo”, explica.
Pinturas indígenas
inspiram
Assim que começou a estudar como a
borracha poderia ser incluída na moda, seja por acessórios ou tecidos, Flavia
conta que se reconectou com as ligações que teve com a Amazônia.
“A Amazônia aparece na minha vida
antes da borracha. A minha graduação no desenho industrial foi uma coleção de
moda inspirada nas pinturas indígenas dos índios kayapós e estudei várias
etnias. Também fiz outros projetos relacionados com a Amazônia quando trabalhei
como designer e quando tinha 15 anos fui pra floresta fazer uma imersão no
curso de ecologia”, relembra.
Ao se deparar com o látex, ela
lembrou de todas essas influências que sempre estiveram presentes na sua vida.
Tanto que as peças são inspiradas em pinturas indígenas e são pensadas de uma
forma que represente a Amazônia em um acessório.
“Percebi que tinha que ter um
acabamento impecável, a peça é uma matéria-prima, no início ainda é bruta e não
é fácil. Os seringueiros e os produtores sabem da qualidade que exijo, que
precisa ter, para se tornar uma joia, quando criei demorei um tempo para
colocar no mercado, porque queria um acabamento perfeito!” diz.
A designer diz ainda que não quis tirar as características da borracha, apenas lapidar de uma forma que ficasse uma peça realmente delicada e carregada de identidade.
“Pensei muito em como fazer esse
material [borracha] falar por si só, tirando os excessos, tirando tudo que não
precisava, porque se você coloca muita coisa, acaba virando outra coisa, a
borracha não aparece. Ela é uma matéria-prima, mas se torna joia pelo design e
é esse mesmo design que vai contar essa história da floresta”, pontua.
Fortalecimento de
produtores
Entre Acre e o Pará, ela diz que
trabalha com cerca de 100 produtores de vários tipos de borracha.
“Hoje eu trabalho com cooperativas e
associações, principalmente em Feijó, Tarauacá, fiz trabalhos em Sena
Madureira, já trabalhei com várias borrachas, não só coloridas”, diz.
Além disso, Flavia tenta incentivar
que os produtores se dediquem ao artesanato local usando a borracha como
matéria-prima. Em Cruzeiro do Sul, por exemplo, ela esteve em comunidades
indígenas ensinando a técnica para que eles pudessem ter uma nova alternativa.
“O que acho bem legal é que tem a
questão de gerar renda na floresta e as pessoas continuarem preservando essa
área de árvores nativas que geram renda. É uma valorização do seringueiro,
porque você está levando essas borrachas, que traz atenção para a Amazônia, mas
também para as pessoas que foram anônimas por muito tempo. É bem legal a
possibilidade do artesanato local, abre muitas possibilidades”, pontua.
E nas mãos de Flavia essa borracha ganha formato de joias finas
e sofisticadas, que caíram no gosto dos consumidores do Brasil, mas também de
outros países. É um pedaço da Amazônia, da história da floresta que alguém
adquire ao comprar uma peça.
Durante suas capacitações, a designer
diz que tenta levar conhecimento às comunidades sobre a importância da
preservação da floresta.
“Tem toda uma conexão do consumidor com
a floresta e com o produtor. Quando dou capacitação na floresta, a gente
conversa muito sobre a importância da floresta para que eles possam entender a
própria importância deles. Isso é muito legal porque, muitas vezes, eles mesmos
não têm consciência disso”, salienta.
Durante esse tempo, ela diz que as
peças já foram vendidas, além do Brasil, na Inglaterra, Espanha, Estados
Unidos, Canadá, Austrália, Holanda, Dinamarca, Alemanha e Itália.
Flavia diz que sua linha de joias
também carrega um lema social que possibilita a conservação do conhecimento
tradicional da floresta.
“Trabalho muito com inclusão feminina
de jovens na cadeia produtiva, porque os filhos, os jovens adultos, não queriam
mais trabalhar com a borracha e agora eles vêem novas possibilidades com esses
materiais, então mantém o seringueiro na florestas, as famílias, aquele conhecimento
tradicional que protege a floresta, a produção nativa. As árvores não são de
plantação, isso é muito forte na Amazônia”, finaliza.